Gerenciamento de riscos na cadeia de suprimentos

16 mar 2022

Luca Urciuoli, profesor de MIT-Zaragoza

POR LUCA URCIUOLI
Professor adjunto de Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos do Programa MIT-Zaragoza

Nas últimas décadas, as cadeias de suprimentos tornaram-se globalizadas. Na década de 80, as empresas perceberam que a terceirização era uma prática fundamental para reduzir custos e concentrar-se em suas competências essenciais. Desde então, a utilização de fornecedores cresceu substancialmente e hoje as empresas terceirizam entre 60 e 80% de sua produção para múltiplos fornecedores.

A tendência à terceirização em decorrência da globalização trouxe benefícios para empresas e sociedades. Agora qualquer negócio pode implementar mudanças estruturais que lhe permitam minimizar custos, reduzir ativos e focar na estratégia de P&D de seus produtos, serviços e principais componentes. Quando a fabricação de componentes é terceirizada, os fornecedores envolvidos na cadeia de suprimentos têm a oportunidade de crescer e obter conhecimentos técnicos que não teriam alcançado por conta própria. A terceirização incentiva os fornecedores a interagir com vários compradores, reforçando as economias de escala e reduzindo os custos de produção. Em geral, pode-se dizer que a terceirização melhora a qualidade do produto e acaba reduzindo os preços para os varejistas, impactando positivamente no bem-estar social.

Apesar dos benefícios óbvios da terceirização e da globalização, esse cenário em que nos encontramos também torna as cadeias de suprimentos mais vulneráveis a riscos ou interrupções inesperadas. A lógica é óbvia: transferir a produção para o exterior prejudica a visibilidade e a transparência das operações. As empresas muitas vezes desconhecem a cultura local ou as condições políticas dos países onde se estabelecem. Por exemplo, em alguns países, a instabilidade política, a presença de organizações criminosas infiltradas no ambiente empresarial, tumultos ou guerras são alguns fenômenos que podem comprometer inesperadamente a atividade e causar atrasos significativos. A corrupção também está surgindo como um dos problemas a serem enfrentados em certos países, fazendo com que os custos operacionais aumentem.

A terceirização e a globalização podem aumentar a vulnerabilidade das cadeias de suprimentos a riscos ou interrupções inesperadas

A pandemia provocada pelo COVID-19 expôs essas vulnerabilidades, criando uma infinidade de novos desafios no gerenciamento da cadeia de suprimentos. A pandemia afetou a força de trabalho e o fornecimento de componentes, matérias-primas, serviços, fundos monetários e materiais que toda cadeia de suprimentos precisa para funcionar adequadamente. Fabricantes de automóveis como Honda, Jaguar ou Volkswagen passaram por sérias dificuldades financeiras durante a crise causada pelo COVID-19. Além disso, alguns fornecedores decidiram retirar suas ofertas de crédito comercial, temendo o risco de inadimplência de seus compradores. O fechamento de fábricas nos países fornecedores causou atrasos na produção, mas também o colapso dos portos de embarque internacional, atrasando ainda mais os embarques. Os varejistas foram literalmente assaltados pelos consumidores, que entraram em pânico e esvaziaram as prateleiras, causando roturas e aumentando os riscos do efeito chicote. Por fim, a aplicação de restrições governamentais e o teletrabalho aumentaram a demanda por produtos eletrônicos e, a escassez de microchips. Este cenário tem afetado os prazos de entrega de pedidos pertencentes as cadeias de suprimentos de diversos setores industriais, desde telecomunicações até a indústria automotiva.

Alguns dias ou semanas de interrupção da cadeia de produção podem se traduzir em perdas significativas e persistentes ao longo do tempo para as empresas, especialmente se a cadeia de suprimentos estiver configurada de forma inerente para favorecer a eficiência em vez de resistir às interrupções. Nesse sentido, o Lean Management é uma técnica que visa minimizar o desperdício, reduzindo o tamanho dos lotes e o estoque disponível, aumentando a frequência dos envios e, em última análise, esperando que as entregas sejam feitas no prazo. No entanto, quando os fornecedores para a produção ou o transporte é atrasado, o estoque de reserva dos varejistas e armazéns também se esgota, impossibilitando o atendimento da demanda dos clientes. É o caso do setor automotivo, onde a maioria dos carros são feitos sob encomenda, muitos fornecedores de fábricas da UE e dos EUA estão localizados no continente asiático, e o setor é conhecido por implementar técnicas de produção ajustada (Lean Manufacturing). Por todas essas razões, o terremoto japonês de 2011 produziu perdas significativas, avaliadas por especialistas em uma queda nas vendas de carros de cerca de 640.000 unidades (Wheatley & Ramsay, 2011).

O comprimento da cadeia de suprimentos aumenta a exposição a riscos

Outras práticas de gerenciamento que podem aumentar a vulnerabilidade das cadeias de suprimentos têm a ver com fornecimento único ou múltiplo. O fornecimento único permite melhores relacionamentos com fornecedores; no entanto, pode ter efeitos devastadores em caso de falha. Muitos se lembram do incêndio em Albuquerque, Novo México, que interrompeu o fornecimento de microchips e faliu a fabricante de telefones celulares Ericsson. Por outro lado, a Nokia, que usou o mesmo fornecedor, conseguiu sobreviver a esse incidente, pois, sua cadeia de suprimentos foi configurada para responder com eficiência a uma possível interrupção. O que a Nokia fez foi mudar o design de seus produtos e estabelecer canais de fornecimento adicionais para ter acesso a outros fornecedores e assim manter a produção de celulares.

O comprimento da cadeia de suprimentos aumenta a exposição ao risco. Os profissionais de logística têm uma máxima que diz: mercadoria em movimento é mercadoria em risco. Ou seja, quanto maior a distância de transporte a ser percorrida, maior o número de riscos possíveis, bem como o prazo de entrega do pedido em caso de extravio ou atraso da carga. Por exemplo, muitas empresas experimentaram e continuam a sentir os efeitos do acidente do Canal de Suez, quando em março de 2021, o navio Ever Given, que transportava mais de 18.000 contêineres de vinte pés (unidade chamada TEU, Twenty-foot Equivalent Units ) foi atingido por uma forte rajada de vento repentina e encalhou nas margens do canal, bloqueando uma das principais artérias da navegação mundial.

As consequências nas cadeias de fornecimento comercial entre a Europa, a Ásia e o Oriente Médio foram consideráveis. Vários cargueiros foram afetados pelo fechamento acidental do canal, não só os que aguardavam os contêineres que o Ever Given transportava, mas também os 300 navios que esperavam para cruzar o Canal de Suez nos dois sentidos. Isso se traduziu em 16,9 milhões de toneladas de peso morto, o que corresponde a um valor de aproximadamente 50 bilhões de dólares. Especialistas estimaram o valor dos produtos em atraso em cerca de US$ 400 milhões por hora e cerca de US$ 9 trilhões para cada dia de inatividade. A autoridade do canal de Suez também relatou perdas entre US$ 14 milhões e US$ 15 milhões por dia em taxas de trânsito. Mais uma vez, as indústrias que implementaram as técnicas lean foram as que mais sofreram, com rupturas de estoque, efeito chicote, falta de capacidade dos navios e altas taxas de frete. Além disso, apesar da reabertura do canal, os efeitos colaterais, que implicavam maior congestionamento nos portos marítimos, continuaram 6 meses depois.

Diante da incerteza, as cadeias de suprimentos devem ser configuradas para equilibrar o desempenho com os custos relacionados à prevenção e mitigação de riscos

Diante da incerteza, as cadeias de suprimentos devem ser configuradas para equilibrar o desempenho em relação aos custos das medidas de prevenção e mitigação de riscos. Aqui estão algumas práticas sugeridas:

  • Reduzir o número de pontos de parada no transporte. A carga em movimento é uma carga em risco, principalmente devido a roubo ou sequestro. Os riscos relacionados à segurança da mercadoria aumentam quando a carga para em um porto, terminal, posto de gasolina ou mesmo quando o transportador repousa em área de serviço. O planejamento preventivo de transporte ajuda a minimizar o número de pontos de parada ao longo da rota.
  • Análise geográfica. Em um nível estratégico, as empresas podem evitar trabalhar com fornecedores localizados em regiões geográficas expostas a riscos naturais ou onde se sabe que existem riscos de segurança significativos e difíceis de erradicar. A realocação de fábricas ou operações logísticas é uma tarefa complexa e, vale a pena considerar se é preferível enfrentar o impacto que pode ter no negócio ou reduzir, ou eliminar determinados riscos.
  • Aumentar a flexibilidade e a redundância. Algumas atividades, como a fabricação, podem ser duplicadas, por exemplo, terceirizando a produção do mesmo produto ou componente para vários fornecedores. É preferível que os fornecedores sejam bem diversificados em riscos, como posição geográfica. É inevitável que o aumento do número de fornecedores contratados para um mesmo componente afete os custos, mas, por outro lado, a cadeia de suprimentos estará mais capacitada para lidar com acidentes. Essa flexibilidade também pode ser aplicada ao transporte, projetando rotas alternativas ou na produção, reorganizando as linhas de produção para duplicar a fabricação sempre que possível.
  • Aumente o estoque de reserva. Ter um buffer com reserva é muito benéfico porque dá mais margem de manobra à cadeia de suprimentos para garantir a sua atividade em caso de interrupção dos fluxos de abastecimento. Os buffers podem conter mais estoque do que o necessário ou servir como buffers temporários em terminais intermodais para garantir a troca modal ideal.
  • Gerenciamento de relacionamento. O tipo de relacionamento estabelecido com um fornecedor determina o grau de transparência sobre sua atividade e saúde financeira. A confiança na troca de informações é postulada como fator determinante. Um provedor que trabalha sob pressão pode não compartilhar informações sobre suas ameaças e vulnerabilidades para vencer seus concorrentes. A falta de visibilidade das ameaças potenciais leva a riscos inesperados, aumentando os custos para mitigar os impactos.
  • Continuidade/resiliência de negócios. Apesar de todas as estratégias e ferramentas de prevenção, um possível risco pode ter um forte impacto nos negócios. É de extrema importância que os processos sejam planejados e implementados para garantir que as empresas reajam rapidamente e evitar uma potencial escalada de conflitos.
  • Sistemas de informação. Existem soluções informáticas que monitoram os fornecedores em tempo real, bem como os fluxos de carga durante o transporte. Da mesma forma, esses sistemas podem se conectar a serviços de terceiros que coletam informações em tempo real sobre previsões meteorológicas, possíveis desastres naturais, condições de tráfego ou congestionamento de terminais. Essas ferramentas estão fazendo a diferença na hora de tomar decisões e antecipar eventuais interrupções.

Práticas para gerenciar riscos na cadeia de suprimentos

Práticas para gerenciar riscos na cadeia de suprimentos

Empresas com fortes estratégias de gerenciamento de risco podem ganhar vantagem competitiva e consolidar sua liderança no mercado

Os benefícios do gerenciamento de risco

O gerenciamento de riscos nas cadeias de suprimentos provou ser benéfica para as empresas. Custos adicionais, como aqueles que surgem quando os envios são atrasados ou perdidos, os produtos são danificados ou a produção do fornecedor é interrompida, podem ser significativamente reduzidos.

Além dos conhecidos efeitos de redução de custos, estudos mostram empresas com fortes estratégias de gerenciamento de risco podem obter vantagem competitiva e, assim, consolidar sua posição de liderança no mercado. A rápida reação da Nokia quando seu fornecedor de microchips no Novo México descontinuou a produção é um exemplo claro de como as empresas que gerenciam seus riscos são capazes de transformar desafios em oportunidades, por exemplo, expandindo a participação de mercado quando os concorrentes vão à falência.

Outra potencial vantagem de estabelecer um plano de gerenciamento de risco eficiente é a possibilidade de participar de negócios mais arriscados. Dizem que “quem não arrisca, não ganha”. Portanto, embora ser proativo em relação aos riscos possa ser altamente recompensador para as empresas, um plano de gerenciamento de riscos pode ajudar a controlar esses riscos e mitigar suas consequências.

 


 

Dr. Luca Urciuoli é professor adjunto do Programa de Logística Internacional do MIT-Zaragoza. Ele também é Professor Associado do KTH Royal Institute of Technology (Estocolmo, Suécia) e pesquisador afiliado no Centro de Transporte e Logística do MIT.

 


 

Referências