Entrevista com Matthias Winkenbach (MIT)

03 jan 2024

Matthias Winkenbach, Massachusetts Institute of Technology (MIT)

“A previsão da demanda no curto prazo mudará as regras do jogo dos e-commerce”

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Matthias Winkenbach, pesquisador principal de Massachusetts Institute of Technology (MIT)

Sobre o especialistaMatthias Winkenbach é pesquisador sênior MIT Center for Transportation & Logistics. Também é o diretor fundador do laboratório Computational Analytics, Visualization & Education (CAVE) do MIT, onde lidera uma equipe de pesquisadores, designers de UI/UX e desenvolvedores de software que criam tecnologias para aplicações de análise visual da cadeia de suprimentos. Winkenbach trabalhou com vários parceiros industriais globais para resolver problemas que impactam a vida das pessoas, os negócios e o planeta. Assessora periodicamente start-ups e players industriais em projetos relacionados à análise da cadeia de suprimentos, projeto de sistemas logísticos e tecnologias de última milha.

 

Mecalux entrevista Matthias Winkenbach, pesquisador sênior do Massachusetts Institute of Technology (MIT), para analisar as tendências de IA que terão o maior impacto no futuro do comércio eletrônico.

  • Recentemente afirmou que a inteligência artificial será a próxima grande tendência na cadeia de suprimento. Qual é o seu potencial para melhorar a logística?

    Existem muitas maneiras pelas quais a inteligência artificial (IA) poderia aplicar seu potencial no setor de logística. Minha equipe concentra sua pesquisa em design de sistemas. Por exemplo, como a IA permitirá à indústria incorporar não apenas mais dados, mas também conjuntos de dados mais valiosos na resolução de problemas. Considere um caso simples como a planificação de rotas. Tradicionalmente, tem sido impulsionado por algoritmos de pesquisa operacional com um objetivo muito simples: encontrar a rota mais curta, mais econômica e mais rápida. Porém, na vida real, as empresas estabelecem objetivos mais complexos, como garantir que a rota seja lucrativa e segura, além de seguir outras diretrizes impossíveis de serem abordadas com algoritmos tradicionais. Os modelos de aprendizado de automático são capazes de resolver estes problemas: integram mais funções e dados para enfrentar desafios logísticos, como o gerenciamento de inventário, projeto de rede, condições das estradas ou necessidades específicas dos clientes.

  • Como estas tecnologias estão sendo testadas no MIT?

    Dirijo dois laboratórios. Um deles é o Megacity Logistics Lab, onde realizamos pesquisas relacionadas à última milha logística, mobilidade urbana, distribuição do e-commerce e design de rede omnichannel. O outro é o CAVE Lab, dedicado ao desenvolvimento de software: criamos ferramentas que auxiliam pesquisadores a trabalhar com modelos analíticos e dados logísticos em larga escala. Desenhamos interfaces intuitivas que permitem interagir com esses modelos de forma prática, sem ser um especialista técnico para utilizá-los.

    O laboratório CAVE faz experimentos com métodos quantitativos de tomada de decisão na cadeia de suprimentos

  • Que desafios as empresas de e-commerce enfrentam ao otimizar os seus processos de distribuição?

    O comércio eletrônico mudou bastante nos últimos dois anos. Quando comecei minha pesquisa nessa área, comprávamos muito menos online e geralmente esperávamos de quatro a cinco dias pela chegada do pedido. Agora a norma é receber no dia seguinte, e penso que num futuro próximo à expectativa será a entrega no mesmo dia ou em poucas horas. Este aumento imparável na velocidade e variedade de produtos disponíveis online está acrescentando um grau de complexidade e desafios que o setor da logística tem de resolver. Um deles é, por exemplo, o gerenciamento e o posicionamento estratégico do estoque. Quando o cenário era um mundo com prazos de entrega maiores, não havia necessidade de se preocupar com estoque, pois, a partir de apenas três centros de distribuição espalhados pelos Estados Unidos poderia abastecer 80% da população em dois ou três dias. Mas no mundo atual de entregas iminentes, são necessárias pelo menos nove ou dez instalações em todo o país para alcançar o mesmo número de pessoas nesse período.

  • Como funcionará um mundo de entrega no mesmo dia?

    À medida que ganha força o e-commerce on demand, onde encomenda um produto e o recebe em uma ou duas horas, um sistema centralizado não é mais viável. Precisa ser mais local e dispor de uma rede de instalações mais fragmentada. E isso também significa que todo o inventário está fragmentado. Deve tomar decisões inteligentes na hora de armazenar dependendo do tipo de produto, da quantidade e onde for apropriado. Caso contrário, acaba duplicando o estoque em todos os lugares e isso sai extremamente caro. O gerenciamento de inventários e o desenho da rede logística são dois dos maiores obstáculos que as empresas de comércio eletrônico enfrentam. A estes desafios soma-se outro: a previsão da procura. Se eu puder prever com mais precisão não apenas qual será minha demanda no próximo mês, mas também quais serão minhas vendas nas próximas duas horas em áreas específicas como o centro de Manhattan, isso poderá fazer uma grande diferença. Com previsões de demanda mais granulares e de curto prazo, as empresas podem reduzir suas necessidades gerais de estoque para fornecer um serviço mais rápido e confiável aos seus clientes.

    O aumento imparável na velocidade e na variedade de produtos disponíveis on-line acrescenta desafios que o setor de logística precisa resolver
  • Como a IA pode ajudar a resolver o problema na distribuição do comércio eletrônico?

    A IA pode ajudar de muitas maneiras. Além de melhorar o gerenciamento de rotas, outro de seus potenciais, consiste no projeto de redes e no planejamento de estoques. Ultimamente, temos trabalhado no laboratório com um varejista que queria projetar um sistema de distribuição de última milha para fornecer uma experiência omnichannel superior. Imagine que vende moda e tem um grupo de clientes que traz muito prestígio ao seu negócio. Pretende chegar aos influencers deste mundo com um serviço premium que lhes permite fazer pedidos online e receber o produto em 60 minutos, independentemente de onde estejam. Projetar tal sistema de distribuição é impossível com software tradicional devido ao seu nível de complexidade. Existem várias variáveis que não seguem relações lineares, e o esforço de cálculo computacional é enorme para resolvê-las em períodos razoáveis.

    É aí que aproveitamos os algoritmos de IA para tomar melhores decisões sobre onde colocar o estoque, que lojas físicas utilizar para este serviço específico ou onde instalar instalações adicionais que sirvam apenas o canal online. O aprendizado automático e a análise de operações estão se tornando aliados na solução de problemas logísticos complexos.

  • O que as empresas podem fazer para serem as primeiras em envio?

    Para vencer a corrida no gerenciamento da última milha da logística, as organizações devem ter em mente que tudo se resume a serem capazes de desenhar redes específicas para este tipo de serviço, e não apenas modernizar as existentes. Os clientes esperam prazos de entrega diferentes e um amplo catálogo de produtos para comprar online, mas as empresas continuam a operar com infraestruturas legadas. No entanto, se quiser fazer certo, às vezes terá que dar o salto e redesenhar as coisas do zero. Obviamente, é normal querer aproveitar infraestruturas que ainda funcionam. Mas, por exemplo, é impossível oferecer entregas em duas horas se o armazém estiver a 60 km da cidade. Para isso, é necessário investir em infraestrutura dedicada a serviços de alta velocidade.

    O laboratório utiliza a visualização interativa de dados para estudar os desafios da cadeia de suprimentos

    Outro aspecto crucial é investir na análise de dados. Historicamente, muitas empresas de logística concentraram-se em problemas de otimização. Regra geral, dispõem de equipes especializadas que atuam na parte de engenharia da construção e operação de redes logísticas. Porém, é menos comum uma empresa ter uma equipe dedicada à ciência de dados. A corrida para esse alto nível de serviço é também uma competição por talentos e pela descoberta dos especialistas certos que possam criar a próxima geração de algoritmos que a empresa precisa; porque o conjunto de competências desses profissionais é um pouco diferente daquele dos engenheiros contratados há dez ou quinze anos. Igualmente, é fundamental investir em pessoas que possam servir de ponte entre o lado logístico das coisas, a visão empresarial do problema, e especialistas com uma perspectiva mais técnica.

  • Até que ponto é necessário construir uma ponte entre estes dois mundos?

    Existem organizações que cometem o erro de contratar doutores em ciência de dados que nunca trabalharam no setor de logística. Apesar de serem muito competentes, muitas vezes existe uma lacuna entre esses especialistas e as pessoas que conhecem como o negócio funciona. Detectamos que muitas empresas têm dificuldades com esse assunto. Penso que o segredo é contratar pessoas com formação mista. Nos programas de engenharia industrial, aqui no MIT e em outras instituições, já estamos tentando educar os alunos nessa direção. Ainda precisa ter sólido conhecimento do setor e formação em engenharia, mas também precisa de um conhecimento profundo o suficiente de ciência de dados e aprendizado automático. Isso não significa que você precisa saber como construir o modelo de máquina mais recente e avançado, mas precisa ser capaz de se comunicar com o cientista de dados que o criou e com o gerente logístico, que sabe exatamente o que está fazendo, mesmo que ele não consegue escrever uma única linha de código.

  • Que tecnologias ou tendências emergentes de IA terão uma influência significativa no futuro da distribuição do comércio eletrônico?

    Parece um pouco desatualizado agora, já que todo mundo fala sobre chatbots, mas julgo que essas tecnologias terão um grande impacto na indústria. O mesmo tipo de métodos que impulsionam as ferramentas como ChatGPT são muito promissores para resolver alguns dos problemas de planejamento e otimização logística que tentamos combater durante muitos anos. Métodos semelhantes aos destes chatbots podem ser muito úteis para resolver problemas como ser capaz de prever uma boa rota em vez de apenas otimizá-la. E isso afetará não só a rota, mas também a otimização do estoque e da rede logística. Quase todos os grandes problemas de otimização combinatória existentes poderiam ser resolvidos com este tipo de métodos.

    Do lado do consumidor, a principal revolução que provavelmente veremos será a interação perfeita com as plataformas de e-commerce. Não será mais necessário entrar em um site, procurar um produto e clicar em comprar. Você simplesmente falará com seu agente de inteligência artificial em seu smartphone e dirá: “Esqueci de comprar pasta de dente; “Você pode comprar um tubo?” Em seguida, analisará seus hábitos de compra anteriores para detectar qual marca costuma usar e, qual preço concorda em pagar. Acredito que toda a experiência de e-commerce será muito mais fluida e integrada no quotidiano, o que implica também, aliás, que a tendência para o consumo on demand irá crescer. A logística, por sua vez, terá que se tornar muito mais adaptável e dinâmica para responder a este cenário. Porque se tem uma interação fluida, mas tem que esperar quatro dias para receber seus produtos, isso vai contra o propósito. Penso que é para aí que o mundo do comércio eletrônico se dirige, talvez não hoje ou amanhã, mas a médio prazo.

    O desafio está em armazenar os produtos mais perto dos clientes de forma mais sustentável
  • Que conselho você daria às empresas de comércio eletrônico que buscam adotar IA em seus processos de distribuição?

    Agora que a utilização de chatbots começa a espalhar-se, as pessoas percebem o potencial destes modelos, embora a inteligência artificial continue a ser uma caixa negra. Quando converso com representantes da indústria, alguns me dizem que querem investir em IA, pois, isso resolverá automaticamente todos os seus problemas. No entanto, esses métodos ainda estão em desenvolvimento. Têm um enorme potencial, mas precisamos de os compreender melhor. Não é como se pudesse escolher um modelo de chat existente, apresentar um problema e esperar que ele o resolvesse. A IA não é o Santo Graal, não pode resolver todos os desafios imediatamente e sem esforço.

    Se quer entrar nesse mundo como empresa, comece aos poucos. Identifique questões que você já entende muito bem. Não escolha problemas que você não tem ideia de como resolver. Comece com aqueles que você sabe resolver, como planejamento de rotas ou gerenciamento de estoque, e tente resolvê-los com uma abordagem de aprendizado automático. Depois de obter bons resultados, sempre poderá adicionar complexidade e desafios adicionais. Se seus recursos forem limitados, tente investir seu dinheiro com sabedoria em problemas fáceis de resolver para ganhar experiência e desenvolver habilidades. Penso que é assim que pode ampliar a capacidade analítica da sua empresa para resolver problemas, aprender com eles e aplicar esse aprendizado no próximo obstáculo que encontrar. É impossível pensar que pode construir um modelo de inteligência artificial, “jogar fora” toda sua cadeia de suprimentos e que resolva tudo milagrosamente. Isso não vai acontecer.

  • Como vê o futuro da última milha no e-commerce?

    Imagino que a distribuição de última milha se tornará ainda mais individualizada à medida que as opções de entrega de pedidos se tornarem mais personalizadas e adaptadas às necessidades dos consumidores, onde e quando. No futuro, as entregas ao domicílio serão mais fluidas. Talvez a sua casa deixe de ser o único endereço físico para receber um pedido e seja combinada com outro local, onde esteja em um determinado horário do dia. É ainda possível que você não precise especificar se deseja que a entrega seja feita em sua casa e que o algoritmo possa simplesmente acessar sua localização e enviar o pacote para lá. Não tenho a certeza se este cenário é o mais desejável, mas pelo menos haverá opções e uma abordagem mais dinâmica de quando e onde receber seus pedidos.

    Esta transformação anda de mãos dadas com uma tendência generalizada de oferecer entregas mais rápidas, personalizadas e on demand. E, na minha opinião, o comércio eletrônico também ocupará uma quota muito maior do mercado retalhista global. Nos últimos dois anos, cresceu bastante rapidamente e continuará a crescer. O advento da IA e de outras tecnologias, torna a experiência de compra online cada vez mais semelhante à compra física de produtos numa loja de retalho.

    A IA pode desempenhar um papel crucial na sustentabilidade do futuro da logística

  • Como essa experiência está mudando?

    Muitas pessoas ainda vão às lojas físicas para comprar determinados produtos, pois, não conseguem colocá-los online com o mesmo nível de qualidade ou experiência imersiva, mas essa tendência está mudando com a realidade aumentada. No futuro, os avanços tecnológicos continuarão a transformar os nossos hábitos de consumo e a ter efeitos duradouros na forma como fazemos compras. Para o setor logístico isso significa que o negócio não vai desaparecer, pelo contrário, haverá mais demanda. É claro que construir sistemas e processos que satisfaçam todos esses requisitos dos clientes será um desafio. As empresas terão de pensar na próxima geração de sistemas logísticos porque, num mundo cada vez mais solicitado, os sistemas legados, que foram instalados a dez ou quinze anos acabarão por se tornar obsoletos. Portanto, é melhor investir em tecnologia antes que seja tarde demais.

  • Um mundo em que o consumo on demand é cada vez mais predominante pode comprometer a sustentabilidade.

    A indústria do comércio eletrônico está a ser criticada à medida que, com cada vez mais pessoas a comprar mais produtos online, os pedidos de entrega ao domicílio continuam a aumentar. A conclusão imediata é que este modelo não pode ser sustentável. Na verdade, não é tão claro que a mudança para um mundo de entregas no mesmo dia ou no dia seguinte seja um grande problema em emissões causadas pelo e-commerce, desde que estes sistemas sejam gerenciados e planeados de forma adequada e as empresas possuam fortes capacidades analíticas. Para dar um exemplo, se eu comprar um par de tênis online e quiser em duas horas, significa que eles já devem estar guardados perto de mim para serem entregues no prazo. Também pressupõe que o produto esteja próximo o suficiente para ser transportado por um veículo elétrico ou bicicleta de carga.

    Esta exigência de proximidade abre a oportunidade de promover frotas logísticas sustentáveis ​​de última milha, que não poderiam ser descarbonizadas se os estoques estivessem centralizados e longe das grandes cidades. O problema está em armazenar as mercadorias perto dos clientes de maneira mais sustentável. Como empresa, possui as ferramentas analíticas apropriadas para ajudá-lo a antecipar onde precisa que aquele par de tênis que o cliente pede esteja? Deve ser capaz de prever com eficiência para evitar armazenar produtos em espaços errados. Deverá também estar equipado com um sistema que lhe permita reabastecer o estoque utilizado e, além disso, fazê-lo com um veículo de baixas emissões. Tudo isso é possível, mas é aconselhável planejar e projetar em tempo hábil.

  • A inteligência artificial pode ser crucial na logística sustentável.

    Se as empresas responderem incorretamente ou mal à transição para entregas ultrarrápidas e consumo on demand, é provável que haja um aumento maciço nas emissões. Mas se for feito corretamente, contribuirá para uma descarbonização muito mais eficaz do processo de distribuição, aproximando os pedidos dos consumidores. A IA pode desempenhar um papel crucial na sustentabilidade do futuro da logística. O compromisso com a descarbonização no transporte de cargas dependerá do poder analítico das empresas e só será possível integrando a IA e o aprendizado automático de maneira mais sólida e profunda nos processos de planejamento e execução logística.