PESQUISA LOGÍSTICA
» Flaviana Calignano, Professor Associado do Departamento de Engenharia de Gerenciamento e Produção da Politécnica de Turim (Itália)
» Vincenza Mercurio, Doutorando do Departamento de Engenharia de Gerenciamento e Produção da Politécnica de Turim (Itália)
A implementação de tecnologias de manufatura aditiva simplifica a cadeia de suprimentos tradicional e reduz os custos relacionados a transporte e armazenamento. Ela também modera bastante a produção de resíduos. As organizações são chamadas a modificar suas cadeias de suprimentos por meio da aplicação de metodologias lean e agile. A filosofia enxuta tem suas origens no setor automotivo japonês na década de 1970 e, em gerenciamento de processos, concentra-se na redução de desperdícios. Uma cadeia de suprimentos ágil, por outro lado, pode entender e responder às mudanças na demanda.
Esses ajustes são possíveis graças às novas tecnologias, incluindo a fabricação aditiva (FA). No passado, as cadeias de suprimentos eram projetadas para produção de alto volume e otimização de custos, mas as chamadas "cadeias de demanda" são voltadas para a personalização em massa. Essas cadeias se referem à parte da cadeia de valor que gera crescimento lucrativo ao promover inúmeras interações dos clientes com as marcas e os produtos de uma empresa.
Fabricação aditiva no setor industrial
A fabricação aditiva é o processo de agregar materiais para criar objetos a partir de modelos 3D, geralmente camada por camada, em oposição aos métodos subtrativos. Os avanços no desenvolvimento já permitem seu uso em vários setores industriais para os quais, até alguns anos atrás, era considerada inadequada. Entre eles estão o aeroespacial, médico, automotivo, moda, alimentos, arte e joias. Embora existam diferentes técnicas para realizar a impressão 3D, as etapas envolvidas são semelhantes em todas elas: modelagem 3D do componente, conversão em arquivo STL, transferência para o software CAM, preparação da máquina, impressão, remoção da plataforma e, quando necessário, pós-processamento.
O grande impacto da fabricação aditiva nos processos produtivos é devido às suas vantagens em relação a outras técnicas tradicionais. Do ponto de vista econômico, o aumento da complexidade geométrica das peças não aumenta os custos. A impressão 3D possibilita a personalização e a modificação de objetos quase instantaneamente e utiliza apenas o material estritamente necessário para criar cada impressão. Além disso, alguns insumos, como o pó, podem ser reciclados e reutilizados. As estruturas resultantes são mais leves, limitando o consumo de combustível em veículos como aeronaves. Também pode melhorar as cadeias de suprimentos, permitindo que pequenas empresas tenham locais de produção próximos aos seus clientes.
Enquanto a produção em massa está sendo transferida para os países em desenvolvimento, os mercados europeus e norte-americanos estão se concentrando em séries curtas e de alto valor, caracterizadas por inovação, personalização e sustentabilidade. A fabricação aditiva reduz o tempo e os custos de criação de protótipos, o que, por sua vez, diminui o tempo necessário para colocar um produto no mercado. A personalização também aumenta o valor percebido pelos consumidores, tornando-os mais dispostos a pagar.
A FA atende aos objetivos enxutos ao eliminar o estoque de produtos semiacabados, e a abordagem ágil tem uma vantagem competitiva ao economizar no custo de componentes previamente fabricados por terceiros.
Organização e mudanças na cadeia de abastecimento
A fabricação aditiva pode ser centralizada ou descentralizada. No primeiro caso, as peças são confeccionadas em uma instalação central e depois enviado para vários centros de distribuição. Ao descentralizar a FA pode ser impresso em cada um desses locais, abaixando custos de transporte e facilitando uma resposta mais rápida. Tanto as empresas integrem a fabricação aditiva ou a implementem terceirizando especialistas na área, empregar esta tecnologia na cadeia de suprimentos envolve redesenhar produtos e processos.
Por vezes, a equipe não tem o conhecimento necessário para aplicar as técnicas de FA, portanto, recomenda-se contratar profissionais especializados ou oferecer treinamento aos funcionários internos. Nos estágios iniciais, as empresas devem trabalhar em conjunto com os fabricantes de impressoras 3D para adquirir as habilidades necessárias no futuro. O alto nível de investimento exigido inicialmente faz com que seja aconselhável que, a incorporação da fabricação aditiva seja acompanhada de um plano de produção de longo prazo.
Casos de sucesso: peças de reposição aeronáuticas e sustentabilidade
A realização rápida de reparações é essencial para criar valor para os consumidores no setor da aviação. No entanto, para uma companhia aérea é praticamente impossível possuir todos os materiais em estoque: uma aeronave comercial como um Airbus ou um Boeing é composta de até quatro milhões de peças. A maioria destas peças de reposição raramente são necessárias, por isso são peças de baixa rotatividade e fabricá-las com impressoras 3D minimiza seus custos logísticos. Em suma, os fabricantes podem continuar a produzir peças padronizadas com técnicas tradicionais e fabricar peças menos solicitadas de maneira simultânea. Deste modo, os níveis de estoque são reduzidos e as vantagens da fabricação aditiva são aproveitadas.
Outro setor que mais se beneficiou com esses avanços, foi o aeroespacial. Os projetos otimizados possibilitam a fabricação de peças 35 a 65% mais leves, e a criação de artigos que exigem menos componentes e materiais simplifica a cadeia de suprimentos. Empresas como a finlandesa Salcomp, especializada em soquetes e fontes de alimentação para telefones celulares, resolveram seus gargalos. Sua fábrica em Chennai identificou que o tempo de resfriamento de seus moldes de injeção era um fator limitante e, começou a produzi-los usando tecnologias de fusão a laser em um leito de pó. O tempo de resfriamento passou de 14 para 8 segundos, permitindo que a empresa terminasse mais 56.000 unidades por mês, e as taxas de rejeição caíram de 2 para 1,4%.
Além desses benefícios, vários dos materiais utilizados na fabricação aditiva são recicláveis. No caso do pó metálico, estima-se que 95 a 98% possam ser reutilizados. Iniciativas como o Perpetual Plastic Project (PPP) estão explorando a possibilidade de empregar plásticos reciclados em novas impressões 3D. Existem processos mecânicos que convertem paletes de filamentos usados anteriormente em novos recursos para a FA de extrusão.
O impacto da aditiva no ‘reshoring’
A implementação da FA possibilita a eliminação de etapas na fase de montagem, a economia em pequenas tiragens, a criação de produtos personalizados que oferecem valor agregado ao cliente, a redução dos prazos de entrega, a redução do consumo de combustível dos veículos e o aumento da flexibilidade dos negócios. É por isso que muitas empresas citaram a fabricação aditiva como um dos motivos que as levaram ao reshoring.
O reshoring ou back-shoring é definido como a transferência da produção para o país da empresa matriz. É uma decisão inversa e consequente à terceirização anterior. A fabricação aditiva elimina intermediários, reduz o tempo de transporte e aproxima a atividade do cliente final. Sua introdução implica passar de uma lógica baseada na origem para um novo paradigma centrado no consumidor. Um exemplo é a pandemia da COVID-19, quando a comunidade global de usuários de impressoras 3D de polímeros de baixo custo formou uma rede de resposta para fabricar EPIs e equipamentos médicos a partir de uma cadeia de suprimentos humana naturalmente descentralizada. A fabricação descentralizada geralmente oferece alguma proteção contra interrupções e atrasos externos e reduz as complexidades da cadeia de suprimentos.
Publicação original: Calignano, Flaviana y Vincenza Mercurio. 2023. An Overview of the Impact of Additive Manufacturing on Supply Chain, Reshoring, and Sustainability. Cleaner Logistics and Supply Chain, 7 (Junho): 100103.